Fontes para o estudo do Jesus histórico
Não dispomos de muitas fontes sobre o Jesus histórico. E as que temos apresentam vários problemas, mas com métodos e critérios adequados podemos solucionar pelo menos parte desses problemas e tentar reconstruir uma pequena parcela do Jesus histórico. As principais fontes sobre Jesus são os Evangelhos, contudo, eles foram escritos décadas após sua morte por pessoas que não tiveram contato com ele, que não falavam sua língua e que sequer moravam na Palestina, de onde Jesus viera. Tais textos se apoiam em histórias difundidas oralmente e que apresentam um Jesus idealizado. Como destaca Erhman (2014, pp. 264-265), os tais Evangelhos apresentam muitas discordâncias entre si em muitos detalhes, e às vezes até de forma radical, sobre o que Jesus teria dito ou feito e sobre o panorama de sua época, além das alterações intencionais ou não feitas por copistas que copiaram esses textos séculos depois. O autor conclui que: “embora os Evangelhos pareçam apresentar relatos históricos da vida de Jesus, na verdade grande parte de seu conteúdo não é historicamente confiável”.
Existem outras fontes além dos Evangelhos que parecem atestar a historicidade de Jesus, porém, essas fontes não trazem mais informações acerca do Jesus histórico, pois o citam só de passagem e às vezes indiretamente. Contudo, tais fontes, assim como os Evangelhos, datam de décadas após a morte de Jesus. Os autores romanos que parecem citar Jesus em algum de seus textos são: Plínio, o Jovem (62-114), governador romano da Bítinia, que parece mencionar Jesus, ao tratar de um problema política em uma carta ao imperador romano Trajano, datada de 112 EC, onde pede conselhos para governar sua província; Suetônio (69-141), que parece citar Jesus em um de seus escritos biográficos, o que trata da biografia do imperador Cláudio, que governou Roma entre 41 e 54 EC. Nesse escrito, Suetônio registra que em dado momento de seu governo o imperador deportou os judeus de Roma com a justificativa de que eles, “instigados por Chrestus”, causavam distúrbios a cidade. Contudo, ou Suetônio errou a grafia latina do título dado a Jesus (“Christus” e não “Chrestus”) e se referia aos cristãos de Roma, que por causa de suas pregações sobre Jesus Cristo causaram distúrbios na cidade, acendendo a ira do imperador, ou o autor se referia a um outro judeu chamado Chrestus que causou problemas ao imperador, obrigando-o a deportar os judeus daquela cidade; Tácito, que em sua obra intitulada Anais, datada de 115 EC, que tratar da história do Império Romano do ano 14 ao 68 EC, mesmo que também não mencionasse o nome de Jesus diretamente, como o fez Suetônio, parece se referir a ele quando discorre sobre o incêndio de Roma, em 64 EC, ao qual o imperador Nero atribuiu aos cristãos, mas o próprio Tácito acusa o imperador de ter posto fogo em Roma para forçar a implementação de seus planos arquitetônicos para a cidade, que não poderiam acontecer enquanto a parte mais antiga da cidade estivesse de pé (cf. EHRMAN, 2014, pp. 57-62).
Além dos Evangelhos e das obras dos autores romanos citadas acima, as cartas de Paulo, que são os documentos mais antigos do Novo Testamento (datados de 49 a 61 ou 62), e os escritos de Flávio Josefo, autor judeu do primeiro século que escreveu em vinte volumes uma história do povo judeu, embora não tragam grandes contribuições para um melhor detalhamento sobre Jesus histórico, também atestam a existência dele e corroboram informações sobre ele contidas nos Evangelhos. O que precisa ser acrescentado é que nenhum dos dois autores tiveram contato com o Jesus histórico, eles escreveram décadas após a morte de Jesus, e seus escritos, portanto, não são relatos de primeira mão. E no caso das duas citações de Flávio Josefo sobre Jesus de Nazaré, são claras as alterações feitas nos textos por copistas cristãos que queriam fazer Josefo afirmar que Jesus era o messias esperado pelos judeus, sendo que temos informações o bastante sobre o autor para afirmamos que essa não era sua visão.
Outra fonte que muitos supõe ser relevante para o estudo do Jesus histórico é o Talmude judaico. Contudo, Ehrman (2014, pp. 72-73) nos alerta para o fato de que essa “coleção de materiais do judaísmo primitivo independente entre si”, além de não citar diretamente Jesus de Nazaré, foi escrita centenas de anos após a morte dele, num momento em que o cristianismo já tinha grande poder no Império Romano, ou seja, são referências bem tardias sobre Jesus influenciadas por séculos de história do cristianismo, por tanto, não tem grande valia para o estudo do Jesus histórico.
Como vimos, os Evangelhos são os documentos mais importantes na reconstrução do Jesus histórico, mas são também, devido aos fatores citados acima, problemáticos do ponto de vista histórico. Sendo assim, é preciso critérios para separar o que é histórico sobre Jesus e o que não é, trataremos desses critérios no próximo post.
Bibliografia
EHRMAN, Bart D. Jesus existiu ou não? Rio de Janeiro: Agir, 2014.
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